O início de Manhuaçu

Pico da Bandeira: Formação montanhosa confundiu
Fernandes Tourinho

A coluna ‘Na Lente da História’ publicou uma abordagem interessante intitulada ‘A Idade de Manhuaçu’. Naquele texto buscava-se através de registros históricos, mostrar que a cidade de Manhuaçu, que oficialmente no próximo 5 de novembro estará comemorando o seu 136º aniversário, na verdade estaria completando 189 anos, se forem levados em consideração o momento em que se iniciou a colonização de fato destas terras. 
O início da colonização é a forma como muitos municípios brasileiros comemoram os seus aniversários. Aquela edição destacou quatro períodos importantes da história do município: sua emancipação política em 1877, que oficializa o 136º aniversário neste ano de 2013; a fundação da vila de São Lourenço do Manhuaçu em 1869, que daria à cidade 144 anos de existência; o aldeamento que aconteceu em 1843, que daria à região 170 anos e por fim, a chegada dos primeiros fazendeiros, que aconteceu no ano de 1824, que permitiria à cidade comemorar então 189 anos de presença humana civilizada.
Porém, esta coluna irá além, para registrar uma abordagem muito interessante do escritor manhuaçuense José Olinto Xavier da Gama em seu livro “Manhuaçu, Rio e Município”. Baseado na introdução deste livro, entre as páginas 7 e 12, apresentaremos os primórdios desta região, através dos primeiros relatos sobre estas terras e o possível motivo de sua colonização efetiva se iniciar somente no século XIX, se a sua localização geográfica, próxima de grandes centros do período do Brasil Colônia, como as cidades de Vila Rica, Vila Velha e Rio de Janeiro, poderia ter permitido sua colonização pelo menos um século antes.
De acordo com a introdução da obra literária de José Olinto, Vasco Fernandes Coutinho Filho, então donatário da Capitania do Espírito Santo, explorou pessoalmente o rio Manhuaçu ainda nos primeiros 70 anos da colonização do Brasil. Em 1573 Sebastião Fernandes Tourinho, parente do donatário da Capitania de Porto Seguro realizou duas grandes expedições pela região do rio Doce. E na segunda expedição ele alcançou a região onde acontece o encontro do rio Doce com o Guandu. E de acordo com as informações que Fernandes Tourinho possuía, aquela região era infestada de doenças e pelos índios pretensamente canibais conhecidos como botocudos. Deste modo ele decidiu entrar pelo rio Guandu passando por terra até alcançar o rio Manhuaçu.
Assim ele explorou toda esta região e outras regiões próximas, até, segundo ele, atingir a Serra dos Órgãos, na região fluminense onde estão localizadas hoje as cidades de Teresópolis e Petrópolis. Porém, de acordo com o livro “Sertões do Leste” do escritor Paulo Mercadante, O desbravador poderia ter feito confusão com referência à região montanhosa que avistara. Na verdade ele teria chegado até a Serra do Caparaó. Talvez como forma de se destacar diante da corte portuguesa, ao retornar para Porto Seguro, Fernandes Tourinho escreveu uma carta ao rei de Portugal informando que a região do rio Doce e adjacências possuíam tanto ouro quanto às outras regiões exploradas, existindo também uma montanha coberta de esmeraldas.
Esta passagem de Fernandes Tourinho por nossa região é confirmada através de uma carta datada de 1734 e escrita por Pedro Bueno Cacunda ao rei de Portugal, descrevendo que através de uma notícia vinda de São Paulo, passada pelos bandeirantes Bartolomeu Bueno, Manoel de Camargos e Estêvão Barbosa, que havia nestes sertões duas nações indígenas importantes: a dos Coroados, no rio Pomba e a dos Puris, no rio Manhuaçu, chamado na época de rio Mayguassu. Relatava também que tinha sido encontrada neste rio e também em seus afluentes grande quantidade de ouro.
A história provou que não houve uma corrida do ouro em nossa região, como aconteceu com Vila Rica e nunca foi confirmada a descoberta da montanha de esmeraldas relatada por Fernandes Tourinho, apesar de ter havido sim a extração do metal amarelo nos rios da região, porém, longe da abundância das regiões auríferas do Estado de Minas Gerais. Mas o fato é que, diante dos relatos que o rei de Portugal recebia, ficou declarada a proibição da colonização do vale do Manhuaçu.
Não se sabe o real motivo desta região ter sido considerada proibida para a sua colonização pela corte portuguesa até o início do século XIX. Se foram as informações sobre a presença de índios hostis ao homem branco, ou a aclamada incidência de muitas doenças, ou pelo potencial aurífero indicado pelos bandeirantes. Talvez esta última seja a mais provável causa desta proibição, já que a região de Vila Rica, devido à grande quantidade de ouro que era explorada, abastecia perfeitamente bem os cofres portugueses. E sabiam eles que um dia se esgotaria o precioso metal, necessitando então de uma reserva em outra região para as extrações futuras. Apenas em 1808 o rei D. João VI editou a Carta Régia ordenando a colonização de todo o Vale do Dio Doce e Paraíba do Sul, com o Vale do Manhuaçu entre eles.
Com a edição da Carta Régia, entre 1820 e 1830 o sertanista Domingos Fernandes de Lana saiu de Araponga, próximo a Ponte Nova com o objetivo de comercializar poaia, uma planta medicinal. Ele conhecia a língua indígena e fazia comércio desta planta com os índios. Não se sabe ao certo se o próprio Domingos de Lana ou se foi alguém de sua turma que construiu algumas casas e uma igrejinha para São Lourenço, o certo é que este núcleo inicial originou a atual cidade de Manhuaçu.

As informações contidas nas linhas acima, conforme citado no início do texto, são baseadas na obra “Manhuaçu, Rio e Município”, do escritor manhuaçuense José Olinto Xavier da Gama e que foi gentilmente doada pelo autor à redação do jornal DIÁRIO DE MANHUAÇU em julho deste ano. José Olinto é graduado em Odontologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).


Publicado em 29 de setembro de 2013.

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