O Trem-de-Ferro


Para contar a história de Manhuaçu ao longo do século XX se torna impossível não citar a maria-fumaça que por seis longas décadas trouxe o progresso do Rio de Janeiro para estes rincões. As gerações que surgiram na cidade após a década de 1970 infelizmente jamais ouviram o som do apito ao chegar à cidade cumprimentando a todos que estavam nas proximidades da estação localizada no bairro Baixada. E jamais puderam se emocionar com o mesmo som do apito, quando o trem se despedia seguindo sentido à capital carioca.
A The Leopoldina Railway Company Ltd. Ou Estrada de Ferro Leopoldina chegou em Manhuaçu no ano de 1915. Ligada à economia do café, em expansão a partir de meados do século XIX, a ferrovia nasceu da iniciativa de fazendeiros e comerciantes da Zona da Mata Mineira, acostumados a transportar a produção de café da maneira tradicional, por tropas de mulas, até os portos do litoral. No retorno, os tropeiros traziam produtos manufaturados.
Mas o início de sua construção data da segunda metade do século XIX, através da Lei da então Província de Minas Gerais nº 1.826, de 10 de Outubro de 1871, autorizava o Presidente da Província a conceder uma subvenção de 9:000$000 réis por quilômetro ou a garantir os juros de 7% ao ano sobre o capital de 2.400:000$000 réis à companhia que se organizasse para construir uma estrada de ferro, ligando a cidade de Leopoldina à de Porto Novo do Cunha hoje Além Paraíba, na divisa da Província de Minas Gerais com a do Rio de Janeiro, onde então findavam os trilhos da Estrada de Ferro Dom Pedro II. Seu primeiro trecho foi inaugurado em 8 de Outubro de 1874, na presença do Imperador D. Pedro II e de autoridades civis e eclesiásticas.
Manhuaçu foi sua estação final e inaugurada somente 43 anos após o seu início. Mas a chegada do trem-de-ferro, mesmo que tardia por estas paragens transformou toda a região e colocou o município definitivamente no mapa. Antes a cidade era conhecida por sua grande produção de café e também pela política forte e capaz de promover muitas agitações e assassinatos. Mesmo a definição do local onde foi erguida a estação no bairro Baixada motivou um crime político. João do Amaral Franco, presidente da Câmara Municipal e consequentemente Chefe do Executivo e que cede hoje seu nome à importante rua no Centro da cidade foi assassinado em 29 de janeiro de 1916 por ter desapropriado as terras para construir a estação.
Muitos imigrantes chegaram à Manhuaçu pelos trens que circularam por estas linhas. Muitos vieram através de sua própria construção, já que eram trabalhadores que construíam a estrada e que por aqui residiram nos últimos anos até sua conclusão, permanecendo nestas terras a partir de então.
O trem trouxe o progresso através de materiais de construção para erguer grandes obras na cidade, como o Banco Hipothecário, hoje Palácio da Cultura. Trouxe a moda que efervescia na então Capital Federal. Levou nossa produção de café, já que esta era a grande finalidade de sua construção e retornou com a riqueza que estes grãos produziram. Manhuaçu e região experimentaram a partir daquele ano de 1915 uma profunda transformação cultural e social. As informações e os acontecimentos passaram a chegar aqui por questão de dias e não mais semanas ou meses, como aconteciam nos lombos de burros até então.
O fim da linha de trem-de-ferro em nossa região trouxe tristeza e muito saudosismo para a população, que até hoje se recente pela política aplicada pelo regime militar durante a ditadura, de privilegiar as rodovias federais e eliminar o transporte de passageiros por via férrea. 
Os muitos relatos deixados pelas pessoas que vivenciaram aquele tempo traduzem o sentimento de todos pelo seu fim. Abaixo segue o relato de Paulo César Pereira que se encontra à disposição de todos em um blog criado por ele (http://ferroviamanhuacu.blogspot.com.br/). Paulo César é filho de um ex-funcionário da ferrovia e morava próximo à estação, na rua do Triângulo e desde a tenra idade vivenciou o trem-de-ferro em Manhuaçu. Seu pai, Whilton Pereira, vulgo Neném da Estação, trabalhou na empresa férrea desde o ano de 1940 até o ano de 1975, quando se aposentou.
Estação ferroviária de Manhuaçu
"A linha de Manhuaçu fechou em 31 de janeiro de 1972. Neste dia, quando eu estava fazendo limpeza, num momento eu parei junto à porta do carro de passageiros e fiquei pensando que no dia seguinte não mais estaria ali este trem, e em como seria aquele local dali em diante. Passados alguns dias, veio um trem de carga trazendo as últimas cargas que estavam compromissadas e, com ele a sua partida, ficou vazio o pátio por mais de um ano. Na última viagem do trem a Manhuaçu, vieram vários jornais para fazer a matéria, entre eles a Rede Globo, parecendo uma festa na estação. O trem fez um passeio até as proximidades do batalhão velho e retornou até onde muitas pessoas tiveram a oportunidade de fazer uma pequena viagem no que foi o último trem a sair de Manhuaçu. O povo da cidade teve o privilégio de usufruir o melhor nos transportes de passageiros, pois em 1968 iniciou um trem de passageiros chamado trem de aço, que transportava 60 passageiros sentados, tão confortável que se podia colocar um copo com água no piso durante a viagem e ele não entornava. Durou pouco tempo, funcionou até 1971. Em 26 de abril de 1973, chegou a Manhuaçu um trem com vários vagões e pranchas, puxado pela locomotiva a vapor 342, que iniciou os serviços de retirada dos trilhos, dormentes e todos os materiais da ferrovia: em diversos os finais de semana seguintes vinham até Manhuaçu locomotivas diesel para levar as mercadorias. Com isso, foram desaparecendo os vestígios da estrada de ferro, demorando em média uma semana para desmanchar um quilômetro: e acompanhei todos esses trabalhos de desmanche até a cidade de Reduto. Desta forma eu como admirador de ferrovias tenho hoje só a lamentar, pois não temos mais nenhum vestígio dela em nossa cidade, ficando somente as lembranças que o passado deixou. Até mesmo a estação foi totalmente destruída, ficando só no local um terminal rodoviário e uma praça”.
Existem alguns conflitos de data para destacar oficialmente a última viagem de trem em Manhuaçu. O relato de Paulo César indica o dia 26 de abril de 1973, quando o último trem veio até Manhuaçu para retirar os trilhos. Já um relato publicado na página 242 do livro ‘Fragmentos da História de Manhuaçu’, da professora Ivonne Ribeiro de Almeida destaca a data de 27 de julho de 1973 e os arquivos da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) indicam que o fechamento deste ramal aconteceu somente no ano de 1975.
Mas não cabe aqui discutir a data correta, já que em todas as transcrições, seus autores são capazes de defenderem seus registros. Fica destacada somente, através das palavras de Paulo César Pereira, a paixão por uma época que deixou saudade e que certamente foi a grande contribuinte pelo desenvolvimento experimentado por Manhuaçu ao longo do século XX.


Publicado em 06 de outubro de 2013.

Locomotiva parada na estação de Manhuaçu