Município de Manhuaçu em 1894 |
Nas próximas linhas desta coluna continua o texto iniciado no domingo (21), que conta a história da ‘República Manhuassú’ por uma ótica diferente daquela apresentada nos últimos anos. A finalidade nesta série é convidar o leitor a conhecer este importante acontecimento de nossa história no final do século XIX pela ótica dos ‘Dolabelistas’, que era o grupo político antagônico àquele que apoiava Serafim Tibúrcio da Costa em sua revolta acontecida no ano de 1896. Deste modo é oferecida a oportunidade para o leitor poder formular seu próprio julgamento dos fatos de nosso passado.
EFERVECÊNCIA POLÍTICA
De acordo com o grupo político opositor ao coronel revoltoso, os seis anos que antecederam à ‘proclamação da República Manhuassú’ foi o período mais denso e conturbado já vivido pela cidade, coincidindo com a chegada de Serafim Tibúrcio à Câmara Municipal no ano de 1890. Para este grupo, todos os passos dado pelo coronel desde a sua vinda definitiva para São Lourenço do Manhuaçu eram previamente calculados para que se tornasse o Chefe do Executivo, cargo político mais importante do município, equivalente hoje ao cargo de prefeito municipal e que era ocupado naquela época pelo presidente da Câmara, que por sua vez era de direito do candidato a vereador mais votado nas eleições.
A recém-formada República dos Estados Unidos do Brasil, que aconteceu após um levante político-militar ocorrido em 15 de novembro de 1889 e instaurando a forma republicana federativa presidencialista de governo no Brasil, derrubando consequentemente a monarquia constitucional parlamentarista do Império do Brasil, motivou grandes desavenças na região, já conhecida por seus impulsos políticos exaltados. A disputa pelos cargos públicos, influenciada pelo novo regime de governo jamais havia sido tão movimentada. E cabia ao Chefe do Executivo a distribuição de grande parte destes cargos no âmbito municipal.
Em 1892 cogitava-se a reeleição do Coronel Costa Mattos para presidente da Câmara e consequentemente Chefe do Executivo. E Serafim Tibúrcio decidiu aproveitar da ausência do Cel. Costa Mattos, que se encontrava no Rio de Janeiro, para lançar a sua candidatura, alegando que Costa Mattos havia desistido de concorrer às eleições naquele ano. Tibúrcio conquistara durante os seus dois anos como representante do Legislativo, a chefia de um dos grupos partidários, sendo auxiliado pelo padre Odorico Dolabella, que depois se tornaria seu desafeto, pelo Dr. Castro e outros. Deste modo foi consagrado presidente da Câmara e primeiro Chefe do Executivo de Manhuaçu a ser eleito dentro do novo regime que estava em vigor no Brasil.
Astuto, Serafim Tibúrcio promoveu grande festa para a sua posse, de forma a ter a população do seu lado durante o evento e assim inibir a ira de Costa Mattos, que já se encontrava na cidade com um grupo de homens armados atribuído pelos oponentes como capangas.
Um estudo histórico de autoria de Aristides Tinoco e que foi publicado no ano de 1911 com o título de ‘História Social’, dava conta com detalhes destes acontecimentos pós-eleição de Tibúrcio.
“Aos festejos afluiu grande número de jubilosos partidários, dentre esses últimos compareceu às festividades o Cel. Costa Mattos acompanhado por alguns de seus correligionários em um número superior a dez, tendo hospedado em casa de seu cunhado”.
E o texto de Tinoco prossegue: “Nessa fase de grande exaltação, qualquer gesto do adversário importa uma ameaça. O Cel. Costa Mattos não podia fugir à má interpretação, assim como os adversários não podiam também deixar de incorrer na ilusão, tomando a comitiva por capangada. À sua chegada em farrancho, deu curso imediato à balela de que ele vinha com intuitos subversivos. Acompanhado de uma caravana de capangas, com os quais pretendia embarcar a festiva solenidade pública do empossamento presidencial”.
Em um parágrafo pouco adiante o texto de Tinoco conta que: “Parece que um dos mais exaltados descontentes provocou ou agrediu a um adversário, tendo o cunhado do Cel. Costa Mattos agredido ou reagido com um tiro a enorme massa móvel dos solicitantes amedrontados, que no momento passavam na frente à sua residência. Tiro este que alvejou um tal Polycarpo, de quem um olho ficou vasado”. E no parágrafo seguinte: “Os ânimos se conflagraram. Começaram a murmurar. Do murmúrio foram aos impropérios e daí à via de fatos, num tigrino ímpeto irresistível, investindo todos contra a casa do circunspecto Moraes. O agressor, ou simples reagente, após ocultar-se oferecendo resistência, finalmente foi preso”.
Graças a este relato escrito apenas 19 anos após estes fatos, é possível resgatar nos tempos atuais com tamanha precisão e riqueza, os detalhes ali acontecidos.
Ainda naquele dia a Câmara foi empossada e Serafim Tibúrcio, por fim, chegou ao poder político maior do imenso município, desterrando Morais e também outros de seus companheiros dos cargos que mantinham. Inclusive o então Juiz de Direito, Dr. Luiz Christiano de Castro foi deportado, sob acusação de ser o responsável pelos fatos deprimentes que haviam acontecido, sendo nomeado em substituição o Juiz de Direito Dr. Manuel de Lemos.
Para os opositores, a tormentosa cisão política que havia iniciado após a eleição de Serafim Tibúrcio como representante da Câmara no ano de 1890, através de intrigas promovidas por ele entre os próprios companheiros e sua passagem como Chefe do Executivo entre os anos de 1892 e 1894, motivaram a criação dos elementos que resultaram na ‘Revolta de Manhuaçu’. (Segue no próximo domingo).
As informações que auxiliaram na composição destas linhas foram baseadas em um vasto trabalho de pesquisas nos arquivos da Fundação Manhuaçuense de Cultura, Câmara Municipal de Manhuaçu, Cartório do Crime e da cidade de Afonso Cláudio (ES), realizados por ocasião das comemorações do Centenário de Manhuaçu no ano de 1977, por equipes de estudantes da então Escola Normal e Colégio Tiradentes, sendo orientados pelo Sr. Ary Nogueira da Gama e que foram gentilmente cedidos por ele à coluna Na Lente da História.
Publicado em 28 de julho de 2013