A República Manhuassú revista por outra ótica - Parte III

Cel. Serafim Tibúrcio da Costa

Esta é a terceira parte da série especial que está sendo desenvolvida por esta coluna para contar a história da ‘República Manhuassú’ por uma ótica diferenciada daquela apresentada nos últimos anos. O objetivo aqui é o de apresentar aos leitores uma visão deste evento que ocorreu no final do século XIX pelo lado antagônico ao de Serafim Tibúrcio da Costa, principal personagem deste acontecimento. E deste modo é oferecida a oportunidade para que se possam formular seus próprios julgamentos dos fatos de nosso passado.
Este trabalho está sendo baseado em farto material histórico colhido ao longo dos anos por descendentes diretos do grupo político denominado como ‘Dolabelistas’, que assumiram uma postura oposicionista aos desmandos do coronel revolucionário.

Boró: A falsidade por trás do ‘Título de Crédito’
Serafim Tibúrcio assumiu o Poder Executivo de São Lourenço de Manhuaçu no ano de 1892. E de acordo com registros da imprensa da época, se notabilizou com um governo progressista, provocando mudanças substanciais ao ainda jovem município. Os jornais citaram a criação de centros recreativos, onde se promoviam danças e outras diversões populares. Em seu governo foi planejada e incentivada a criação da banda “Pena de Ouro”, a primeira banda do local. Mas há aí um fato curioso e que não tem comprovação de sua veracidade: uma crônica da época dava conta de que Serafim Tibúrcio, quando ainda era delegado mandou assaltar um clube musical, tomando todos os seus instrumentos, que serviram para aparelhar a banda recém-criada.
Entre as melhorias promovidas em seu governo, os impressos relatam também que ele melhorou o abastecimento de água, aprimorou a iluminação pública ao mandar instalar um lampião no Paço Municipal. Melhorou as estradas e disponibilizou um de seus prédios para abrigar o jornal ‘O Manhuassú’. O coronel agente do Executivo administrava a cidade com a reputação de bom comerciante ao passo que também enriquecia comercialmente com a autoridade que o cargo lhe promovia. Dotado de grande percepção para os negócios, ao notar que a região começava a se destacar na produção cafeeira, o coronel adquiriu e instalou a primeira máquina de pilação de café da região, algo que era totalmente desconhecimento de grande parte da população. Este feito lhe promoveu destaque, como o maior comprador de café daquele imenso município, permitindo que somasse uma fortuna considerável, além de grande reputação.
Foi através desta reputação que Serafim Tibúrcio decidiu criar uma ‘moeda’ própria para poder honrar os compromissos comerciais firmados com os seus clientes, mandando imprimir títulos de crédito, com os quais poderia suprir a falta de dinheiro no ato de alguma transação. Ele não encontrou qualquer problema para a aceitação destes títulos, uma vez que gozava de grande respeito. Sua ‘moeda’ era plenamente aceita por seus empregados, como também pelos produtores de café que comercializavam os seus produtos com ele e por boa parte dos comerciantes locais.
Estava então criado o ‘boró’, que provocativamente tinha a aparência de uma nota de cem mil réis. Esta semelhança, inclusive, foi motivo de estudo por parte do professor Flávio Mateus dos Santos, em seu livro a ‘República do Silêncio’ em que foi realizado até mesmo um parecer grafodocumentoscópico desta cédula. Ao longo dos anos seguintes esta ‘moeda’ circulou por Manhuaçu paralelamente ao dinheiro nacional. O boró circulou apenas como título de crédito até o período que antecedeu ao movimento revolucionário de 1896, ou como se referem os ‘Dolabelistas’, a rebelião provocada por Tibúrcio juntamente com a sua capangada. Há relatos que durante o movimento liderado pelo coronel, como forma de afrontar a república federativa brasileira, o pretenso presidente de Manhuassú declarou a cédula como moeda oficial do país que acabara de ser criado.
A verdade, porém, é que no período em que ainda exercia o cargo de agente do Executivo, Serafim Tibúrcio já era réu em uma investigação solicitada por Modesto de Araújo Lacerda para o juiz de paz, Ardelino Augusto Carvalho. Nesta investigação o juiz solicitava as respostas para alguns questionamentos em que Tibúrcio figurava sob crime de falsificação de dinheiro. 

Este fato foi publicado em uma edição do jornal ‘A Folha’, de Barbacena:
“Ilmo. Senhor Juiz de Paz em exercício. A bem de seu direito para fins judiciários, o abaixo assinado requer a V. S. se digne atestar ao pé desta, o seguinte:
1º- Apareceram notas falsas nesta Comarca imitação das de cem mil réis do Banco Emissor de Pernambuco?
2º- Antes ou depois de descoberta a sua fabricação no Rio Branco deste Estado?
3º- Qual o portador de tais cédulas?
4º- Quais as provas ou indícios do crime?
5º- Tem havido grande emissão de bilhetes particulares de 1.000 e 5.000 nesta Comarca?
6º- Por quem? No caso afirmativo?”
E a resposta de Ardelino ao documento veio a seguinte:
“Atesto sob juramento de meu cargo, o seguinte:
Quanto ao primeiro item da petição retro, sim. Ao segundo, que circulam antes e depois da descoberta da fabricação no Rio Branco. Ao terceiro, que foi portador dessas notas, Antônio Gonçalves Campos, empregado do Cel. Serafim Tibúrcio da Costa. Ao quarto, são provas o mesmo Antônio Gonçalves Campos Júnior, Pedro Antônio de Carvalho, Manoel da Terra Pereira e João Jacinto Fraga. Ao quinto, sim. Ao sexto, pelo mesmo Cel. Serafim Tibúrcio da Costa.
E por ser este redigido de minha própria letra e punho.
São Simão, 6 de maio de 1893”.
Para os ‘Dolabelistas’, estes transcritos são a prova incontestável de que o ‘Boró’, nada mais era do que uma cédula de título de crédito emitida por Serafim Tibúrcio da Costa para cobrir sua própria falta momentânea de dinheiro para honrar os seus compromissos comerciais.

As informações que auxiliaram na composição destas linhas foram baseadas em um vasto trabalho de pesquisas nos arquivos da Fundação Manhuaçuense de Cultura, Câmara Municipal de Manhuaçu, Cartório do Crime e da cidade de Afonso Cláudio (ES), realizados por ocasião das comemorações do Centenário de Manhuaçu no ano de 1977, por equipes de estudantes da então Escola Normal e Colégio Tiradentes, sendo orientados pelo Sr. Ary Nogueira da Gama e que foram gentilmente cedidos por ele à coluna Na Lente da História.


Publicado em 04 de agosto de 2013

Documentos informam que o Boró era apenas uma cédula de título de crédito
utilizada por Tibúrcio para honrar compromissos comerciais