Dr. Carlos Alberto Pinto Coelho |
Para falar da maior pandemia já registrada pela humanidade e
que também assolou a população de Manhuaçu, a coluna ‘Na Lente da História’ vai
fazer um paralelo e destacar aqui o Dr. Carlos Alberto Pinto Coelho, que foi
eleito presidente da Câmara e Chefe do Executivo Municipal no ano de 1916,
tendo enfrentado a epidemia durante o seu mandato como líder político do
município. Ele era farmacêutico titulado pela Escola de Farmácia de Ouro Preto
e seus conhecimentos adquiridos na profissão possivelmente contribuíram para
que a doença não vitimasse um número maior de manhuaçuenses.
A Gripe Espanhola, como ficou conhecida aqui no Brasil, ou
também gripe pneumônica, peste pneumônica ou simplesmente pneumônica, surgiu no
mundo ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918). Os primeiros casos foram
observados em Fort Riley, Kansas, Estados Unidos, em 4 de março de 1918 e em
Queens, Nova Iorque em 11 de março do mesmo ano. Em abril de 1918 foram
relatados os primeiros casos na Europa. Ela vitimou em números modestos entre
20 e 40 milhões de pessoas e atingiu pelo menos 50% da população mundial. Mas
analistas estimam que a falta de estatísticas em países do Oriente Médio e da
Ásia possam multiplicar este número, com muitos afirmando que tenha matado
entre 50 e 100 milhões de pessoas e atingido 65% da população.
No Brasil a doença chegou em setembro de 1918. No dia 24
daquele mês a Missão Médica enviada pelo país para ajudar no esforço de guerra
francês foi atingida pela gripe no porto de Dacar, Senegal, que à época era
colônia francesa. No mesmo mês chegou ao país o paquete Demerara, vindo da
Europa, e que é apontado por alguns autores como o primeiro navio portador do
vírus para dentro do Brasil. Em poucos dias a epidemia irrompeu em diversas
cidades: Recife, Salvador e Rio de Janeiro, chegando em novembro de 1918 à
Amazônia. Foram registradas em torno de 300 mil mortes relacionadas à epidemia
no país. A doença foi tão severa que vitimou até o Presidente da República, Rodrigues
Alves, em 1919. Neste mesmo período a doença começou a atingir a região de
Manhuaçu. Neste caso específico, o trem-de-ferro que havia chegado à cidade há
poucos anos para trazer o progresso, contribuiu para a chegada da doença mais
rapidamente por estas paragens.
Um farmacêutico que conhecia as necessidades e a saúde de
sua região, como Chefe do Executivo neste período de crise contribuiu para
amenizar as consequências dramáticas da doença em Manhuaçu. O Dr. Carlos
Alberto Pinto Coelho nasceu em Mar de Espanha, Minas Gerais, no dia 29 de
agosto de 1869 e fixou residência em Manhuaçu em 1906, já viúvo de seu primeiro
casamento e com quatro filhos. Em 1908 ele adquiriu uma farmácia na região
central da cidade e beneficiou a população de toda a região. Por ser também um
cidadão respeitado e admirado, decidiu entrar para a política, até ser eleito
para a presidência da Câmara Municipal.
O farmacêutico promoveu diversas melhorias na cidade como
Chefe do Executivo, como melhoramento de estradas, benfeitorias na cidade e uma
escola municipal primária para o sexo masculino no Ribeirão do Pirapitinga,
hoje Manhumirim. Mas ficou marcado por suas ações durante o enfrentamento da
epidemia que assolou também a região.
A grande maioria da população de Manhuaçu foi atingida pela
Gripe Espanhola, que vitimou fatalmente centenas de habitantes da cidade e do
município. E como em toda epidemia, a população com menor poder econômico é
sempre a mais suscetível. E ciente disso, o Dr. Alberto Pinto Coelho abriu
crédito em algumas farmácias para beneficiar os indigentes, operários e os
reclusos da cadeia. Também distribuiu pelos diversos distritos do município
grande quantidade de sulfato de quinino, entre outros medicamentos, mesmo sem
qualquer comprovação científica de sua eficiência contra o vírus da gripe.
Durante o atendimento à população, serviu de médico durante a falta dos
profissionais que haviam adoecido.
Todos os descendentes das famílias mais antigas de Manhuaçu
em algum momento de suas vidas já ouviu falar desta epidemia na cidade. E
provavelmente quase a totalidade destas famílias perdeu algum ente durante a
crise. E para ilustrar um acontecimento deste período vou relatar aqui o que
contava Angelina Coelho, já falecida e avó do autor da coluna.
É impossível não recordar dos detalhes, já que em sua
senilidade, Dona Gilina, como era conhecida, contava a mesma história
repetidamente. Ela deveria estar com dez ou onze anos de idade quando a Gripe
Espanhola chegou à Manhuaçu. Aos poucos, segundo as suas palavras, “a cidade
foi morrendo”. Ela queria dizer que a população doente, juntamente com aqueles
que ainda não haviam contraído a virose sumiu das ruas, se trancando em suas
casas. Ela recordava que durante o período mais crítico havia uma carroça do
Poder Executivo Municipal que circulava durante mais de um turno do dia pelas
ruas da cidade, batendo de porta em porta para perguntar se ali havia algum
óbito provocado pela gripe. E em caso afirmativo, os corpos eram recolhidos
para serem enterrados no cemitério municipal sem a presença dos familiares, que
geralmente se encontravam debilitados no interior de suas residências, sem condições
físicas de acompanhar o féretro.
Ela, seus três irmãos e seus pais ficaram completamente
debilitados quando a gripe atingiu sua residência. Dona Gilina contava que
todos ficaram prostrados em suas camas sem condições de se levantarem. Eles não
souberam precisar quantos dias permaneceram assim, aguardando a morte chegar.
Até que em um determinado dia seu pai teve forças suficientes para sair da cama
e preparar um caldo forte de gordura de galinha e fubá, começando a alimentar e
hidratar a sua família. Como em centenas de outras famílias, a morte pela Gripe
Espanhola também chegou em sua residência, levando seu irmão mais velho, que na
época tinha 18 anos de idade.
Publicado em 27 de outubro de 2013