Brigada policial de Minas Gerais em foto de 1895 |
Prosseguindo com a revisão dos fatos que levaram à eclosão do acontecimento histórico conhecido como a ‘República Manhuassú’ chegamos agora ao movimento em si, quando o Cel. Serafim Tibúrcio da Costa decidiu invadir juntamente com os seus capangas a cidade de São Lourenço do Manhuaçu e declarar o município um país independente da jovem república brasileira. Esta revisão que chega à sua quinta parte apresenta o movimento pela ótica dos ‘Dolabelistas’, grupo sob a liderança dos irmãos Odorico e Frederico Dolabella, que fazia oposição ao que consideravam desmandos anárquicos de Tibúrcio e de seu grupo político: os ‘Serafinistas’.
Esta revisão se faz necessária para que os leitores, cidadãos manhuaçuenses, estudantes e também visitantes destas terras que de alguma forma leram ou ouviram comentários sobre este levante belicista aqui na região, possam fazer seus próprios julgamentos sobre a história do coronel que se auto-intitulou presidente.
A República (?) Manhuassú
Serafim Tibúrcio passou por um momento obscuro de sua biografia naqueles anos seguintes à perda da eleição para presidente da Câmara Municipal e consequente Agente do Executivo de Manhuaçu. Apesar de dispor de uma profunda simpatia por parte da população mais humilde do município, ele vinha sofrendo sistemáticas manchas em sua imagem de homem ilustre.
Quando exerceu a função de coletor de impostos, foi-lhe atribuído a acusação de desfalcar a quantia de seis contos de réis, valor considerável para a época. E após ser exonerado do cargo, para não ser penalizado por este crime, foi auxiliado pelo tenente-coronel Antônio David Lopes Abelha, que repôs tal quantia. Houve o assassinato a sangue frio de Joaquim Geraldo no dia 15 de setembro de 1890, que mesmo os seus mais ferrenhos aliados, no íntimo, julgavam como desnecessário e puro abuso de poder que o cargo de subdelegado lhe proporcionava. Em 21 de fevereiro de 1895 o então presidente da Câmara Municipal e Agente do Executivo, vigário Odorico Antônio Dolabella, sucessor de Tibúrcio no cargo, acusa o desfalque da quantia de trinta e três contos, novecentos e noventa e dois mil e novecentos e nove réis, que ocorreu durante o mandato do coronel como autoridade política máxima do município entre os anos de 1892 e 1894. E em 10 de fevereiro de 1895 idealizou e liderou à surdina, o levante intitulado ‘A Revolta do Coqueiro’, que causou a morte do aliado Antônio Felipe Dutra e lhe rendeu novo processo judicial.
Envolto em tantas acusações e tendo adversários bem estruturados, que eram auxiliados inclusive pelo Governo de Minas Gerais, Tibúrcio sabia que jamais voltaria a conquistar o cargo de Agente do Executivo através do voto popular. Deste modo, ainda com um grande poder financeiro e rodeado de importantes aliados, orquestrou o movimento que tomaria à força o controle político do município, que para os seus adversários, foi uma clara demonstração de desrespeito às instituições constituídas do país.
Apoiado pelo coronel João dos Santos Coimbra, reuniu um contingente de 800 homens, entre moradores e jagunços da região, e expulsou as autoridades em 10 de maio de 1896. Então, tomou o controle do município e proclamou a ‘República de Manhuassú’, independente do Brasil no dia 15 daquele mesmo mês. E conforme relatos no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, o coronel logo nomeou seus seguidores para cargos de administração dos diferentes setores do município e criou o “Boró”, uma moeda que circulou durante a breve vida da república. Já a ambição de Serafim foi grande e cruzou fronteiras. Com suas tropas, ele comandou invasões em direção ao estado do Espírito Santo, chamando ainda mais a atenção das tropas do governo para a insurgência. Ao ficar sabendo dos acontecimentos, Bias Fortes tentou conter a revolta enviando um contingente de 25 homens, que foram rapidamente abatidos pelo exército de Serafim.
Mas segundo a apuração organizada através de estudos da história por descendentes do grupo político antagônico ao do coronel revoltoso é que a vinda de tropas estaduais e federais a Manhuaçu é apenas um grande equívoco. Este estudo atribui tal registro como de autoria de algum historiador apressado ou até mesmo um jornalista sensacionalista, que decidiu classificar um acontecimento rotineiro da época como ‘célebre revolta’.
De acordo com o documento, o que veio para Manhuaçu foi a ‘Baterias Krupp’. E o documento afirma também que o deslocamento de uma tropa do exército para a nossa região não era motivo de estranheza. Porque naquela época, as brigadas mineiras ainda não possuíam atribuições específicas de Polícia Militar, deste modo, brigada e exército se constituía em um só corpo. Somando-se a isso, além de atribuições e afazeres idênticos, também as suas fardas eram parecidíssimas.
Os historiadores ou jornalistas da época proporcionaram uma imagem distorcida dos acontecimentos, dando proporções grandiosas a pequenos feitos bélicos e dando informações fantásticas sobre combates. E tais informações são plenamente aceitáveis para qualquer pessoa que tivesse pouco conhecimento da história da antiga ‘Milícia de Tiradentes’.
Para justificar estas afirmações, o estudo relembra alguns tópicos que contam a história da polícia mineira, sendo destacado aqui somente aqueles que coincidem com o período imediatamente anterior ao movimento de Tibúrcio.
- Em 12 de abril de 1890, o corpo policial da província de Minas Gerais foi transformado em Guarda Republicana;
- Promulgada a Constituição Mineira, a Guarda republicana foi transformada em Força Pública em 22 de outubro de 1892 e constituída de quatro corpos: 1º em Ouro Preto, a capital do Estado, 2º em Uberaba, 3º em Juiz de Fora e 4º em Diamantina;
- A 22 de julho de 1893, a Força Pública passou a denominar-se Brigada Policial, tendo sido criado o 5º batalhão, com sede em Ouro Preto.
Segue no próximo domingo.
As informações que auxiliaram na composição destas linhas foram baseadas em um vasto trabalho de pesquisas nos arquivos da Fundação Manhuaçuense de Cultura, Câmara Municipal de Manhuaçu, Cartório do Crime e da cidade de Afonso Cláudio (ES), realizados por ocasião das comemorações do Centenário de Manhuaçu no ano de 1977, por equipes de estudantes da então Escola Normal e Colégio Tiradentes, sendo orientados pelo Sr. Ary Nogueira da Gama e que foram gentilmente cedidos por ele à coluna Na Lente da História.
Publicado em 25 de agosto de 2013.